Documento 53 da CNBB - "Série Azul"
APRESENTAÇÃO
Em várias oportunidades, no decorrer dos últimos
anos, a Renovação carismática católica tem merecido a atenção de nossos bispos.
A 32ª Assembléia geral da CNBB, em abril de 1994, começou a estudar um projeto
de orientações pastorais sobre a Renovação carismática católica, elaborado após
ampla consulta a todas as dioceses do País. Dado o acúmulo de trabalhos, a
Assembléia não pôde concluir o estudo, delegando à presidência, comissão
episcopal de pastoral e ao conselho permanente o prosseguimento do mesmo até sua
aprovação final.
Uma nova comissão episcopal foi constituída e
retomou o trabalho em diálogo com a Comissão Nacional da RCC e com bispos e
padres a ela mais ligados. Outras colaborações foram igualmente pedida e
recebidas. A partir de tudo isso, a comissão elaborou um novo texto enviado à
Presidência e CEP e por elas cuidadosamente estudado. As sugestões apresentadas
levaram a comissão a reelaborar o texto, resultando numa segunda redação
significativamente modificada. Enviado previamente a todos os membros do
Conselho Permanente, o texto foi reescrito a partir das indicações feitas. Foi,
portanto, uma terceira redação do texto que o Conselho discutiu, modificou e
votou em sua reunião de novembro deste ano, aprovando-o por unanimidade de seus
membros.
É o resultado desse longo e cuidadoso trabalho que a
CNBB entrega, agora, às Igrejas particulares rogando a Maria, Mãe da Igreja,
possam estas orientações pastorais contribuir para o crescimento da comunhão e
do ardor missionário de nossas comunidades, dos membros da RCC e de todos fiéis.
Brasília, 27 de novembro de 1994, 1º domingo do
advento do Senhor
Dom Antonio Celso Queiroz -
Secretário-geral da CNBB
INTRODUÇÃO
1 - Como pastores da Igreja católica no Brasil, nós
Bispos nos dirigimos a todos os fiéis, propondo uma reflexão sobre a Renovação
carismática católica (RCC). De modo especial nos dirigimos aos fiéis que nela
têm encontrado meios de crescimento em sua vida espiritual e apostólica.
2 - O Espírito Santo anima e sustenta a vitalidade
da Igreja em sua dupla dimensão fundamental de comunhão e missão. Ele suscita,
orienta e assiste os grandes acontecimentos eclesiais como o Concílio ecumênico,
os sínodos episcopais, as Conferências dos bispos e de outros membros do povo de
Deus, as assembléias diocesanas e outras... Ele sustenta também toda a grande
obra missionária no mundo. É o mesmo Espírito que faz brotar sempre novas
iniciativas no seio do povo de Deus. Entre os vários movimentos de renovação
espiritual e pastoral do tempo pós conciliar, surgiu a RCC que tem trazido novo
dinamismo e entusiasmo para a vida de muitos cristãos e comunidades.
3 - Como Bispos, procuramos estar sempre atentos à
ação do Espírito, ajudando os cristãos a valorizá-la. Freqüentemente enfatizamos
algum aspecto determinado da vida da Igreja que necessita de especial estímulo
ou cuidado. É assim que, neste ano temos incentivado nossas comunidades para a
celebração do ano missionário. Recentemente refletimos também com as CEBs
ajudando-as a prosseguirem fiéis em seu caminho. Nossa missão nos leva também a
ajudar a discernir as verdadeiras moções do Espírito, incentivando tudo aquilo
que contribui para crescimento da Igreja e a realização da sua missão. Em tudo,
a busca da fidelidade deve ser constante, busca realizada na humildade e em
espírito de comunhão.
4 - As orientações fundamentais que aqui propomos
para a RCC são válidas e necessárias também para todas as comunidades em geral e
para os demais movimentos e organismos de Igreja. Todos devemos aprofundar nossa
vivência eclesial, valorizando os novos caminhos que o Espírito suscita e
evitando deturpações e atitudes parciais que dificultam a comunhão eclesial.
5 - Nossa reflexão parte de uma meditação sobre o
Espírito Santo no mistério e na vida da Igreja, e se desdobra a seguir com
orientações pastorais sobre a Igreja Particular, a Leitura e Interpretação da
Bíblia, a liturgia, e as dimensões da fé. Finalizamos com algumas indicações de
ordem mais prática e concreta.
6 - Este texto é oferecido aos membros da RCC para
ser refletido e aprofundado. Ele quer ser ponto de referência para um diálogo
constante dos pastores com os fiéis nos vários níveis da vida de Igreja.
O ESPÍRITO SANTO NO MISTÉRIO E NA VIDA DA IGREJA
7 - O Mistério da Igreja surge na história pela
missão do Filho de Deus e do Espírito Santo. Enviado pelo Pai, o Verbo Divino
assume a natureza humana para instaurar o Reino de Deus na terra e instituir a
Igreja a seu serviço, como "germe e princípio" desse Reino (cf. LG. 5b). Enviado
pelo Pai e pelo Filho, o Espírito Santo vivifica a Igreja e a faz crescer como
Corpo Místico de Cristo (LG. 8).
8 - Estando para consumar a obra que o Pai lhe
confiara, Jesus promete o envio do Espírito Santo que continua e aprofunda a
própria missão de Cristo (cf. Jo. 14,17.26). Ele não falará por si mesmo, mas
ensinará e recordará aos discípulos tudo o que Jesus lhes disse (cf. Jo. 14,26).
Ele glorificará Jesus porque receberá o que é de Jesus e o comunicará (cf. Jo.
16,14).
9 - Em Pentecostes, pela força do Espírito Santo, os
Apóstolos se tornam testemunhas da Ressurreição (cf. At. 1,8; 5,32) e a
Igreja-comunhão inicia a sua missão, espalhando-se pelo mundo com dons e
carismas diferentes. "Jesus continua sua missão evangelizadora pela ação do
Espírito Santo, o agente principal da evangelização, através de sua Igreja"
(CNBB - Doc. 45, 255). O Espírito Santo, protagonista de toda missão eclesial (RMi,
21) leva a Igreja a "evangelizar com renovado ardor missionário".
10 - O Espírito Santo é o intercessor que nos
introduz na vida da Trindade, para a realização do projeto de Deus, na adoção
filial, na glorificação dos filhos de Deus e da própria criação (cf. Rm. 8,19 -
27). Faz de cada cristão uma testemunha (cf. At. 1,8 e 5,32), gera dinamismo
interior nos Apóstolos, tornando-os os primeiros evangelizadores na expansão
missionária da Igreja, realiza a unidade entre os que crêem para que sejam "um
só coração e uma só alma" (At. 4,32) e para permanecerem unidos "na doutrina dos
Apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações" (At, 2,42).
Habitando em nós (cf. Rm. 8,9), faz morrer as obras do pecado (cf. Rm. 8,12).
Ele comunica a verdadeira paz, que é comunhão na vida feliz de Deus. É Aquele
que "vem em auxilio de nossa fraqueza porque nem sabemos o que convém pedir" (Rm.
8,26).
11 - O cristão, pela graça batismal, é introduzido
na intimidade da vida trinitária, partilhando da sua riqueza na comunidade
eclesial. A plena comunhão da Trindade manifesta-se na Comunidade-Igreja e
oferece vida nova (cf. 2Pd. 1,4; Ef. 4,24; Col. 3,10) de relacionamento de
filhos com o Pai (Gal. 4,6).
12 - Quem se deixa conduzir pelo Espírito Santo faz
de sua vida um testemunho de Jesus Bom Pastor (cf. Jo. 10,10). Não poderá,
portanto, retirar-se dos problemas e ambigüidades da convivência humana, mas
buscará construir fraternidade. "Não são os que dizem Senhor, Senhor que
entrarão no Reino de Deus, mas os que fazem a vontade de meu Pai que está nos
céus" (Mt. 7,21).
13 - O Espírito ensina, santifica e conduz o povo de
Deus através da pregação e acolhida da Palavra, da celebração dos sacramentos e
da orientação dos pastores. Distribui também graças ou dons especiais "a cada um
como lhe apraz" (1Cor. 12,11), sempre "para a utilidade comum". Por essas
graças, Ele "os torna aptos e prontos a tomarem sobre si os vários trabalhos e
ofícios, que contribuem para a renovação e maior incremento da Igreja (cf. 1Cor. 12,2; LG. 12b).
14 - O Espírito Santo distribui seus dons aos fiéis,
de tal forma que ninguém possui todos eles, como ninguém está totalmente privado
deles (cf. 1Cor. 12,4 ss.). Esses dons são sempre para o serviço da comunidade
(cf 1Cor. 14). Não é a experiência dos carismas que exprime a perfeição da
salvação, mas a caridade que deve perpassar toda a vida do cristão (cf. Mc. 12,
28 - 31; 1Cor. 13). Procurá-la é o primeiro e melhor caminho para a edificação
do Corpo de Cristo que é a Igreja (cf. 1Cor. 12,31 - 13,13; LG. 42; AA. 3).
15 - Hoje Ele continua renovando a Igreja através de
múltiplas e novas expressões de fé e coerência cristã. Podemos enumerar como
frutos do Espírito os novos sujeitos da evangelização; a expansão e vitalidade
das CEBs; movimentos de renovação espiritual e pastoral; a própria RCC; o
engajamento de leigos na transformação da sociedade; a leitura da Bíblia à luz
das situações vividas na comunidade; a liturgia mais participada com a riqueza
de seus ritos e simbologia; a busca de evangelização inculturada; a fidelidade
de muitos na vida quotidiana; as lutas do povo para a implantação dos direitos
humanos; a prática da justiça e da promoção social (cf. CNBB - Doc. 45, 301 -
302).
ORIENTAÇÕES PASTORAIS
A) A Igreja particular
16 - O Concílio Vaticano II ensina que a Igreja
Particular é uma porção do Povo de Deus, confiada a um Bispo para que a
pastoreie com a cooperação do presbitério e dos diáconos. Nela verdadeiramente
reside e opera a Una, santa, católica e apostólica Igreja de Cristo (cf. CD 11).
17 - "Conforme o próprio Concílio Vaticano II, a
comunidade eclesial é edificada pelo Espírito Santo, mediante o anúncio da
Palavra (Evangelho), a celebração da eucaristia e dos outros sacramentos, a vida
de comunhão do Povo de Deus com seus carismas e ministérios, entre os quais
sobressai o ministério episcopal-presbiteral-diaconal, que tem a
responsabilidade de garantir os laços que unem a comunidade de hoje com a Igreja
apostólica e com o projeto missionário, evangelizador, que lhe é confiado até o
fim dos tempos" (CNBB, Doc. 45, nº 196).
18 - A liberdade associativa dos fiéis é reconhecida
e garantida pelo direito canônico e deve ser exercida na comunhão eclesial. O
papa João Paulo II, na sua Exortação apostólica Christifideles Laici (n.
30), aponta critérios fundamentais para o discernimento de toda e qualquer
associação dos fiéis leigos na Igreja, que podem ser aplicados a todos os grupos
eclesiais:
-
o primado dado à vocação de cada cristão à santidade, favorecendo e encorajando "uma unidade íntima entre a vida prática dos membros e a própria fé" (AA, 19);
-
a responsabilidade em professar a fé católica, no seu conteúdo integral, acolhendo e professam do a verdade sobre Cristo, sobre a Igreja e sobre a pessoa humana;
-
o testemunho de uma comunhão sólida com o papa e com o bispo, e na "estima recíproca de todas as formas de apostolado da Igreja" (AA. 23);
-
a conformidade e a participação na finalidade apostólica da Igreja, que é a evangelização e santificação dos homens... de modo a permear de espírito evangélico as várias comunidades e os vários ambientes (cf. AA. 20);
-
o empenho de uma presença na sociedade humana a serviço da dignidade integral da pessoa humana, mediante a participação e solidariedade, para construir condições mais justas e fraternas no seio da sociedade.
19 - Reconhecendo-se a presença da RCC em muitas
dioceses e também a contribuição que tem trazido à Igreja no Brasil, é preciso
estabelecer o diálogo fraterno no seio da comunidade eclesial, apoiando o sadio
pluralismo, acolhendo a diversidade de carismas e corrigindo o que for
necessário.
20 - Nenhum grupo na Igreja deve subestimar outros
grupos diferentes, julgando-se ser o único autenticamente cristão.
21 - A RCC assuma com fidelidade as diretrizes e
orientações pastorais da CNBB. A coordenação nacional da RCC terá um bispo
designado pela CNBB, como seu assistente espiritual, que lhe dará acompanhamento
e ajudará nas questões de caráter nacional, zelando pela reta aplicação desta
orientações pastorais, sem prejuízo da autoridade de cada bispo diocesano.
22 - A RCC assuma também as opções, diretrizes e
orientações da Igreja particular onde se faz presente, evitando qualquer
paralelismo e integrando-se na pastoral orgânica.
23 - Os bispos e os párocos procurem dar
acompanhamento à RCC diretamente ou através de pessoas capacitadas para isso.
Por sua vez, a RCC aceite as orientações e colabore com as pessoas encarregadas
desse acompanhamento.
24 - Os membros da RCC participem dos encontros,
cursos, círculos bíblicos e outras atividades pastorais e de formação promovidos
pelas Igrejas particulares, bem como dos momentos fortes que marcam a vida
eclesial, tais como Campanha da fraternidade, mês da Bíblia, mês missionário,
preparação de Natal e outros.
25 - Deve-se também reconhecer a legitimidade de
encontros e reuniões específicos da RCC, nos quais seus membros buscam
aprofundar sua espiritualidade e métodos próprios, dentro da doutrina da fé e da
grande comunhão da Igreja católica.
26 - As Equipes de coordenação da RCC integradas às
diversas instâncias pastorais da Igreja Particular, visem uma comunhão plena com
as comunidades, associações, pastorais específicas, serviços e organismos
existentes na diocese, respeitando-os, valorizando-os, reconhecendo-os e
colaborando com elas na busca de uma autêntica articulação pastoral (cf. CNBB -
Doc. 45, 295 e 296).
27 - Os grupos de oração alimentem o espírito de
comunhão eclesial, busquem o crescimento na fé e a perseverança de seus
participantes levando-os a um efetivo compromisso na evangelização engajando-se
na comunidade, paróquia e diocese.
28 - As tarefas de coordenação, animação de grupos e
de evangelização sejam confiadas a pessoas adequadamente preparadas e de
comprovada vivência cristã.
29 - Evite-se na RCC a utilização de termos já
consagrados na linguagem comum da Igreja e que na RCC assumem significado
diferente, tais como pastor, pastoreio, ministério, evangelizador e outros.
30 - O programa recentemente lançado pela RCC no
Brasil, intitulado "ofensiva nacional", assuma o objetivo e as Diretrizes gerais
da ação pastoral da Igreja no Brasil. Seus projetos só poderão ser implantados
em sintonia com os organismos pastorais da diocese.
31 - Os convites a pessoas de outras dioceses para
conferências, palestras, seminários e outros eventos, sejam feitos com a devida
anuência do bispo diocesano ou de quem for por ele indicado.
32 - Os manuais de oração, livros de estudos
bíblicos e de formação doutrinal, dada sua importância pastoral, tenham
aprovação eclesiástica.
B) Leitura e Interpretação da Bíblia
33 - A Palavra de Deus é a própria presença do Deus
que fala: "Escrutai as Escrituras... elas dão testemunho de mim" (Jo. 5,39).
Cristo, Evangelho vivo do Pai, não só é o centro da Bíblia, mas também seu
intérprete (cf. Lc. 24,13-35). A "Igreja venera as divinas Escrituras como o
próprio Corpo do Senhor" (DV, 21). E não apenas transmite a Palavra de Deus, mas
também a interpreta (cf. PCB, 127).
34 - A Bíblia manifesta o Plano salvífico de Deus de
modo unitário. Por isso, não se podem utilizar textos ou palavras, sem
referência ao contexto e ao conjunto da Bíblia (cf. PCB, 142).
35 - Para não prejudicar uma reta leitura da Bíblia,
é preciso estar atentos para não cair, entre outros, nos seguintes perigos:
1º) O fundamentalismo, que é fixar-se apenas no que as palavras dizem
"materialmente" sem respeitar o contexto nem a contribuição das ciências
bíblicas;
2º) O intimismo, que é interpretar a Bíblia de modo subjetivo, e até mágico,
fazendo o texto dizer o que não era intenção dos autores sagrados. Sobre isso,
sigam-se as orientações do Magistério, especialmente o recente documento da
Pontifícia comissão bíblica sobre a interpretação da Bíblia na Igreja.
36 - É urgente a formação doutrinal de todos os
fiéis, seja para o natural dinamismo da fé, seja para iluminar com critérios
evangélicos os graves e complexos problemas do mundo contemporâneo (ChL, 60).
Dê-se especial importância a formação bíblica, que ofereça sólidos princípios de
interpretação.
37 - Estimule-se a prática da leitura orante da
Bíblia (= lectio divina), fazendo dela fonte e inspiração de nosso encontro com
Deus e com os irmãos.
C) Liturgia
38 - "Na Liturgia, especialmente na eucaristia,
celebra-se a realidade fundamental da Páscoa: morte e ressurreição de Jesus
Cristo, morte e ressurreição do batizado com Cristo. Na ação litúrgica, devem
encontrar espaço todas as realidades da vida quotidiana do cristão, pois é com
todos os aspectos da sua pessoa que ele tem de passar deste mundo ao Pai. Ao
participar na celebração, o cristão terá presente suas aspirações, alegrias,
sofrimentos, projetos, bem como os de todos os seus irmãos. E colocará todas
estas intenções na oração que sua comunidade, com toda a Igreja, dirige ao Pai,
com Cristo Salvador, na unidade do Espírito Santo" (João Paulo II, Diretrizes
aos bispos do Brasil - Loyola, 1991 - p. 44).
39 - "A dimensão litúrgica exprime, pois, o caráter
celebrativo da Igreja. Constitui, na terra, a expressão mais significativa da
comunhão eclesial. Na Liturgia, o povo de Deus encontra seu maior momento de
festa e de comunhão eclesial" (CNBB - Doc. 45 , n 92). Por isso, seja dada
especial atenção à formação litúrgica de todos os membros da RCC para maior
compreensão e vivência do mistério e de sua expressão simbólico-ritual e
ministerial, visando uma autêntica prática celebrativa, que leve em conta o
espaço e o tempo litúrgico.
40 - Nas celebrações, observe-se a legislação
litúrgica que, embora estabeleça normas precisas para certos momento, abre amplo
espaço para a criatividade. Não se introduzam elementos estranhos à tradição
litúrgica da Igreja ou que estejam em desacordo com o que estabelece o
Magistério ou aquilo que é exigido pela própria índole da celebração.
41 - Na celebração da missa, não se deve salientar
de modo inadequado as palavras da Instituição, nem se interrompa a oração
eucarística para momentos de louvor a Cristo presente na eucaristia com
aplausos, vivas, procissões, hinos de louvor eucarístico e outras manifestações
que exaltem de tal maneira o sentido da presença real que acabem esvaziando as
várias dimensões da celebração eucarística.
42 - Os cantos e os gestos sejam adequados ao
momento celebrativo e de acordo com os critérios exigidos para a celebração
litúrgica. São preciosas e oportunas as orientações do documento nº. 43 da CNBB
sobre "Animação da vida litúrgica no Brasil". Procure-se distinguir cantos para
uso litúrgico e cantos para encontros. Valorizem-se os hinários litúrgicos
publicados pela CNBB, os livros de cantos das Igrejas particulares e outros
hinários difundidos entre o povo.
43 - A celebração eucarística, a distribuição da
sagrada comunhão fora da Missa e o culto eucarístico realizem-se dentro das
normas litúrgicas, as diretrizes da CNBB e as orientações do Bispo Diocesano.
44 - Cuide-se para que não haja coincidência de
reuniões de grupos ou outras iniciativas da RCC com a celebração da santa Missa
ou outras celebrações da comunidade eclesial.
D) Dimensões da vivência da fé
45 - "Pela vivência do mistério de Cristo na vida
quotidiana, o Povo de Deus aprofunda constantemente o sentido da fé" (CNBB -
Doc. 45, 86). A própria dinâmica da fé comporta tanto a dimensão pessoal e
subjetiva, como a comunitária. "A fé nasce do anúncio e cada comunidade eclesial
consolida-se e vive da resposta pessoal de cada fiel a esse anúncio" (RMi, 44).
46 - "A experiência religioso-cristã não se realiza
em mera experiência subjetiva, mas no encontro com a Palavra de Deus confiada ao
Magistério e à Tradição da Igreja, nos sacramentos e na comunhão eclesial" (CNBB
- Doc. 45, nº. 175). Isso faz parte do desígnio de Deus a quem aprouve "chamar
os homens a participar da sua própria vida, não um a um, mas constituídos como
povo, no qual seus filhos dispersos fossem reconduzidos à unidade" (AG 2)
47 - A fé não pode ser reduzida a uma busca de
satisfação de exigências íntimas e de resposta às necessidades imediatas. Nem se
pode propor a fé cristã sem a dimensão da cruz, inerente ao seguimento de Jesus
Cristo (Cf. Lc. 14,25 - 35), caminho para a vida plena na ressurreição.
48 - É fundamental para a realização da vida cristã
e da ação pastoral o sentido comunitário da fé. A formação de pessoas e de
comunidades vivas e maduras na fé é resposta aos desafios da Nova evangelização
e da ação missionária. A missão nasce da fé em Jesus Cristo e fortifica-se
quando partilhada (cf. RM. 4 e 2).
49 - A espiritualidade cristã integra o social e o
espiritual, o humano e o religioso. Não está, porém, isenta das ambiguidades e
mesmo distorções que podem caracterizar as reações do psiquismo humano, seja
individual, seja grupal. Por isso, evite-se alimentar um clima de exaltação da
emoção e do sentimento, que enfatiza apenas a dimensão subjetiva da experiência
da fé.
50 - Para expandir o projeto de Deus, o cristão deve
comprometer-se com a criação de uma sociedade justa e solidária, eliminando o
pecado como gerador de divisão com Deus e os irmãos. A dimensão social da fé, à
luz da Doutrina Social da Igreja, requer a luta para debelar as estruturas de
pecado: pessoal, comunitário, social e estrutural, e assim estabelecer o Reino
de Cristo e de Deus (cf. LG. 5). Recomenda-se, pois, que membros dos grupos de
oração sejam animados a assumir projetos de promoção humana e social,
especialmente dos pobres e marginalizados.
51 - A evangélica opção preferencial pelos pobres é
um dom do Espírito Santo à Igreja, que é também concedido, como carisma
especial, a alguns grupos de cristãos leigos, a certas famílias religiosas e a
muitos fiéis. Segundo a recomendação do apóstolo: "aspirai aos carismas
melhores" (1Cor. 12,31), a vivência da opção pelos pobres deve ser desejada e
implorada por todos como carisma precioso, a ser vivido em nossos dias, como
sinal da presença do Reino.
53 - A falta de coerência entre a fé que se professa
e a vida quotidiana é uma das várias causas que geram pobreza em nosso País. Os
cristãos nem sempre souberam encontrar na fé a força necessária para penetrar os
critérios e as decisões dos setores responsáveis pela organização social,
econômica e política de nosso povo (cf. DSD 161).
E) Questões particulares
54 - Alguns temas necessitam de maior aprofundamento
teológico, diálogo eclesial e orientação pastoral, tais como: Batismo no
Espírito Santo, dons e carismas, dom da cura, orar e falar em línguas, profecia,
repouso no Espírito, poder do mal e exorcismo.
55 - A palavra "batismo" significa tradicionalmente
o sacramento da iniciação cristã. Por isso, será melhor evitar o uso da
expressão "batismo no Espírito", ambígua, por sugerir uma espécie de sacramento.
Poderão ser usados termos como "efusão do Espírito Santo", "derramamento do
Espírito Santo". Do mesmo modo, não se utilize o termo "confirmação" para não
confundir com o sacramento da Crisma (Cf. Comissão episcopal de doutrina -
Comunicado mensal, Dez de 1993, 2217).
56 - Dons e carismas: O grande dom, que deve ser por
todos desejado, é o da caridade: "Aspirai aos dons mais altos. Aliás, passo a
indicar-vos um caminho que ultrapassa a todos..." (1Cor. 12,31-13,13). "A
caridade é o primeiro dom e o mais necessário, pelo qual amamos a Deus acima de
tudo e o próximo por causa dele" (LG. 42).
57 - "O Espírito Santo unifica a Igreja na comunhão
e no ministério. Dota-a e dirige-a mediante os diversos dons hierárquicos e
carismáticos" (LG. 4). O Espírito opera "pelas múltiplas graças especiais,
chamadas de carismas, através das quais torna os fiéis aptos e prontos a tomarem
sobre si os vários trabalhos e ofícios que contribuem para a renovação e maior
incremento da Igreja" (Catecismo da Igreja católica, 798). Os carismas devem ser
recebidos com gratidão e consolação. E não devem ser temerariamente pedidos nem
se ter a presunção de possuí-los (cf. LG. 12).
58 - Haja muito discernimento na identificação de
carismas e dons extraordinários. Diante das pessoas que teriam carismas
especiais, o juízo sobre sua autenticidade e seu ordenado exercício compete aos
pastores da Igreja. A eles em especial cabe não extinguir o Espírito, mas provar
as coisas para ficar com o que é bom (cfr. 1Tes. 5,12.19.21). Assim, também no
que se refere aos carismas, a RCC se atenha rigorosamente às orientações do
bispo diocesano.
59 - Dom da cura: O Senhor dá a algumas pessoas um
carisma especial de cura, para manifestar a força da graça do Ressuscitado. No
entanto, as orações mais intensas não conseguem obter a cura de todas as
doenças. São Paulo aprende do Senhor que "basta minha graça, pois é na fraqueza
que minha força manifesta todo seu poder" (2Cor. 12,9), e que os sofrimentos
que temos que superar podem ter como sentido "completar na minha carne o que
falta às tribulações de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja" (Cl. 1,24).
60 - Ao implorar a cura, nos encontros da RCC ou em
outras celebrações, não se adote qualquer atitude que possa resvalar para um
espírito milagreiro e mágico, estranho à prática da Igreja Católica (cf. Eclo.
38,11-12).
61 - Nas celebrações com doentes, não se usem gestos
que dão a falsa impressão de um gesto sacramental coletivo ou que uma espécie de
"fluido espiritual" viesse a operar curas.
62 - O Óleo dos Enfermos não deve ser usado fora da celebração do Sacramento.
Para não criar confusão na mente dos fiéis, quem não é sacerdote não faça uso do
óleo em bênção de doentes, mas use apenas o Ritual de Bênçãos oficial da Igreja.
63 - Orar e falar em línguas: O destinatário da
oração em línguas é o próprio Deus, por ser uma atitude da pessoa absorvida em
conversa particular com Deus. E o destinatário do falar em línguas é a
comunidade. O apóstolo Paulo ensina: "Numa assembléia prefiro dizer cinco
palavras com a minha inteligência para instruir também aos outros, a dizer dez
mil palavras em línguas" (1 Cor 14,19). Como é difícil discernir, na prática,
entre inspiração do Espírito Santo e os apelos do animador do grupo reunido, não
se incentive a chamada oração em línguas e nunca se fale em línguas sem que haja
interprete.
64 - Dom da profecia: Na Bíblia, profeta é o que
fala em nome de Deus. Significa, pois, um evangelizador. É a comunicação de
assuntos espirituais aos participantes de reuniões comunitárias, aos quais se
dirigem palavras de exortação e encorajamento. "Aquele que profetiza, fala aos
homens: edifica, consola, exorta" (1Cor. 14,3). É um dom para o bem da
comunidade e não tem em vista adivinhações futuras.
65 - Haja grande discernimento quanto ao dom da
profecia, eliminando qualquer dependência mágica e até supersticiosa.
66 - Em Assembléias, grupos de oração, retiros e
outras reuniões evite-se a prática do assim chamado "repouso no Espírito". Essa
prática exige maior aprofundamento, estudo e discernimento.
67 - Poder do mal e exorcismo: Cristo venceu o
demônio e todo o espírito do mal. Nem tudo se pode atribuir ao demônio,
esquecendo-se o jogo das causas segundas e outros fatores psicológicos e até
patológicos.
68 - Quanto ao "poder do mal", não se exagere a sua
importância. E não se presuma ter o poder de "expulsar" demônios. O exorcismo só
pode ser exercido de acordo com o que estabelece o código de Direito canônico (Cân.
1172). Por isso, seja afastada a prática, onde houver, do Exorcismo exercido por
conta própria.
69 - Procure-se ainda formar adequadamente as
lideranças e os membros da RCC para superar uma preocupação exagerada com o
demônio, que cria ou reforça uma mentalidade feitichista, infelizmente presente
em muitos ambientes.
CONCLUSÃO
70 - As orientações aqui oferecidas são expressão da
solicitude pastoral com que o episcopado brasileiro acompanha a RCC seu carisma
próprio dentro do legítimo pluralismo, mas também mostrando sua preocupação com
desvios ocorridos, que são prejudiciais para a RCC e para toda a Igreja.
71 - Seja este um ponto de partida para uma nova e
mais fecunda etapa em que a RCC há de buscar sua maior integração nas Igrejas
Particulares, em conformidade com as Diretrizes da CNBB na fidelidade à missão
da Igreja.
72
- Pedimos a Deus que abençoe os membros da RCC e a todos que se empenham, nos
dias de hoje, com humildade e confiança a viver a vocação à santidade e o compromisso
missionário. Maria, Mãe da Igreja, interceda para que todos, no seguimento de
Jesus Cristo, aspirando aos diversos dons do Espírito, procurem sempre o amor
que permanece (1Cor. 14,1).
texto extraido do site:www.padrefelix.com.br/cnbb_doc53.htm em 06/11/11
Nenhum comentário:
Postar um comentário